Chamamos de "abordagem" do paciente o período inicial de tratamento, os primeiros contatos entre o serviço assistencial e o paciente. Esta fase é crucial para o processo, pois uma avaliação cuidadosa e o mais completa possivel é o ponto inicial e essencial para que os indivíduos com problemas decorrentes do consumo de drogas possam receber ajuda efetiva. O objetivo desta fase é construir, juntamente com o paciente, o retrato detalhado e atual de seu desenvolvimento com o consumo, seu meio ambiente e os resultados deste uso. Outro fator de fundamental importância nesta fase é o estabelecimento de um vínculo entre a equipe terapêutica (médico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, etc.) e o paciente, onde a confiança possa crescer gradativamente.
Dificilmente um indivíduo procura tratamento por estar convencido de que estar usando droga ou álcool demasiadamente. As principais razões para a procura de tratamento são geralmente problemas e prejuízos que se acumulam ao longo da vida de consumo do paciente. Dentre as principais causas de busca de serviço de assistência podemos relacionar as complicações médicas (p. exemplo, convulsões) ocupacionais (p.exemplo, perda de emprego), interpessoais (separação conjugal, imposição familiar), legais (sentença judicial), financeira (dívidas ou atrasos nos compromissos) ou psiquiátrica (depressão ou alucinações decorrentes do consumo).
É de suma importância a investigação das expectativas do paciente quanto ao tratamento. Expectativas irreais, exageradas, acarretam frustrações e denotam, às vezes, pouca disponibilidade individual para mudança do estilo de vida, fator essencial para a manutenção dos resultados do processo terapêutico.
A história clínica do paciente dependente deve, obrigatoriamente, conter algumas informações essenciais, como as drogas já utilizadas e as que o indivíduo atualmente consome, utilização concomitante de outras e /ou álcool, a via de uso atual e anteriores, quantidade consumida no último ano, mêsa e semana, a dose diária comumente utilizada, o volume de gastos monetários dirigidos ao uso e a frequencia que o consumo da droga ocorre. Estes últimos indicam a dimensão da compulsão do indivíduo para o consumo. As circunstâncias onde o consumo ocorre são fundamentais para a previsão de possíveis fontes de recaída durante o seguimento. A utilização concomitante de drogas ou álcool é a regra entre pacientes que procuram o tratamento.
As informações sobre o consumo devem ser recolhidas paralelamente à história de vida do paciente, sugerindo determinado contexto contributório para o uso de drogas (a combinação de fatores da vida do sujeito que facilitam ou mesmo propiciaram o inicio do consumo, sua progressão, o surgimento dos prejuízos relacionados, a busca de tratamento). É de fundamental importância a entrevista com um familiar do paciente, tanto para corroborar informações obtidas junto ao paciente, como para investigar fatores familiares que possam estar contribuindo para o consumo (p. exemplo: a familia fornece dinheiro para o paciente?). A entrevista com um familiar auxilia ainda no estabelecimento de uma rede de suporte mínimo que possa auxiliar o paciente em seus primeiros passos da abstinência.
O levantamento das consequencias físicas e psíquicas do consumo deve também ser realizada na abordagem inicial do paciente dependente. Todo paciente deve ser avalido, clínica e laboratorialmente, quanto ao seu estado físico, bem como possuir uma avaliação psíquica completa pela possibilidade de associação da dependência com os diversos quadros psiquiátricos (co-morbidade). Sempre que possível, análises toxicológicas devem ser obtidas, como forma de verificar a veracidade das informações obtidas na história a respeito do consumo de drogas.
A abordagem do paciente, como instrumento inicial do tratamento , deve incluir o contrato terapêutico assumido entre o serviço e o indivíduo, um conjunto de linhas básicas e atribuições de ambas as partes, para que o tratamento não seja enfocado como punitivo ou controlador. O contrato deve incluir a freqüência das visitas e sua duração, o comprometimento com a abstinencia total (de todas as substâncias), métodos para evitar o contato com as drogas e com outros usuários ("colegas de uso") ou traficantes e a eliminação de restos de droga e objetos utilizados no consumo desta (p. exemplo: cachimbos, espelhos, cinzeiros etc.).O paciente não deve nunca realizar sozinho esta última tarefa, pela enorme possibilidade de experimentar "fissuras" e não resistir à "despedida".
A abstinência total deve ser solicitada em todas as consultas, pelo menor período possível, correspondendo geralmente ao intervalo entre as visitas do paciente ao serviço, no contrato ambulatorial, para evitar a exposição desnecessária ao ambiente de consumo de um indivíduo recém-ingresso em tratamento. alguns fatores são reputados como indicadores de prognóstico, ou seja, de evolução favorável no tratamento: pacientes que procuram assistência voluntariamente, pacientes que assumem participação ativa no processo de reabilitação e indivíduos que antes da dependência tinham história de bom funcionamento social (emprego ou estudo estáveis, relacionamentos afetivos duradouros etc.).